Indiscrições domésticas

Ao que parece, não há nada numa casa que diga mais sobre quem lá vive do que o frigorífico. (Pessoalmente, acho que o caixote do lixo é mais esclarecedor, mas quem sou eu?)

Abstraindo, para facilidade, dos básicos (v.g. cerveja) e, para dificuldade, do recheio do congelador, pode ainda assim adivinhar-se com relativa facilidade a personalidade e os hábitos do dono do frigorífico com base no que lá põe ou simplesmente deixa.

A melhor técnica investigatória recomenda que se comece por fazer algumas perguntas-chave, do tipo:

1) há caldos Knorr e/ou margarina Vaqueiro?

2) há vinho? tinto (!) ou branco? corrente ou DOC? já aberto? um Prosecco?

3) há restos? de quê (v.g. foie gras ou pizza)? com ou sem bolor? ainda nas caixinhas de alumínio (do take away), num prato coberto com fita aderente (Glad), em tupperware ou em higiénicas caixas de vidro com tampa de plástico (azul ou vermelha)?

4) há opiáceos injectáveis?

5) há critério na arrumação ou é tudo às três pancadas?

Pode dizer-se que esta é uma reflexão fútil, uma adaptação inglória do provérbio "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és" (apesar de eu gostar mais da versão "diz-me quem és, dir-te-ei com quem andas"). Mas não. Se prestaram atenção ao discurso de tomada de posse do novo Procurador Geral (curtinho, porque estava com pressa para ir almoçar) lembram-se certamente de que uma das linhas programáticas anunciadas consistia na modernização dos métodos de investigação criminal. Ora, lá está! O frigorífico passa assim a ser uma espécie de Crime Scene Investigation.